Literatura digital brasileira
A literatura digital brasileira emerge da interação entre literatura e tecnologia, marcada por experimentação estética e desafios de circulação. Seu desenvolvimento passa por colaborações interdisciplinares desde os anos 1980, ampliando-se com a internet e influências concretistas. Recentemente, plataformas digitais oferecem novas oportunidades, mas impõem limites estruturais e algorítmicos.
Rejane Rocha
A despeito do fato de que a tecnologia digital tenha possibilitado o estreitamento das redes literárias transnacionais – no que diz respeito ao diálogo entre autores, à acessibilidade facilitada das obras, propiciada por uma circulação não mais restrita aos meios impressos, etc – é inegável que um olhar situado, que seja capaz de fazer emergir as especificidades socioculturais e tecnoestéticas da literatura digital brasileira pode dar a ver elementos que não apenas a caracterizem frente a outras produções, como também que tornem legítimas as obras que estariam invisibilizadas se se partissem de parâmetros de julgamento e critérios de valoração construídos no interior de outros repertórios, provenientes de realidades outras.
Uma vez que a literatura digital se apresenta tão fortemente vinculada à experimentação, seja no nível linguístico-semântico, seja no nível da linguagem computacional e/ou dos meios digitais, é mister considerar que são relevantes, outrossim, a sua identificação como uma produção cultural que surge no interior de um sistema de cultura com o qual dialoga e no interior de uma série literária da qual faz parte. Do mesmo modo, faz-se relevante considerar a história da inserção e da popularização das tecnologias digitais no contexto brasileiro, os imaginários que se constituíram a respeito dessas tecnologias e a forma como, em diferentes momentos, os autores se apropriaram dessas tecnologias, na medida em que elas se tornavam disponíveis. É da articulação entre esses universos, o literário e o tecnológico, nas suas realizações, desenvolvimentos e condições de existência no contexto brasileiro, que surgem as especificidades da literatura digital brasileira; especificidades estas que podem ser contingentes, maleáveis e até mesmo provisórias em tempos de literatura em campo expandido, mas ainda revelam muito não apenas dos contornos dessa produção, em termos de opções estético-temáticas e de possibilidades e dificuldades de circulação como também da maneira como se tem organizado a sua recepção crítica, e como se tem conformado o campo de estudos que paulatinamente se constitui a partir dela.
É assim que a profícua produção de literatura digital brasileira, cujas obras pioneiras são o resultado de esforços colaborativos entre poetas e engenheiros, tem início em momento ainda anterior à popularização da computação doméstica em solo brasileiro. O papel das universidades, nesse momento, dizia muito a respeito do ambiente multidisciplinar em que tais obras foram gestadas, ainda na década de 80. De lá para cá, com o aparecimento e popularização da computação doméstica e da internet comercial, muito se produziu, além de se ter disponibilizado o que se tinha produzido anteriormente e que permanecera desconhecido devido a problemas de acessibilidade. Localiza-se entre finais dos anos 90 e a primeira década do novo século um aumento significativo das produções que colocam em cena a multimodalidade, favorecidas de um lado pelo recurso da multimídia nos computadores domésticos e os softwares de produção e leitura muito populares na época – como o Flash e similares – e de outro lado pelas experiências poéticas de transcodificação e/ou de inspiração concretista, seja vertendo para o meio digital as obras produzidas no meio impresso, seja criando novas obras com o intuito de levar adiante as proposições verbivocovisuais.
Para além dessas produções, fortemente vinculadas a um repertório literário, a literatura digital brasileira também foi se construindo, a partir dos anos 2000, em um ambiente lindeiro com as artes visuais tecnológicas, compartilhando com estas, por exemplo, os procedimentos de composição em que a matéria verbal divide espaço com outras matérias não-verbais e a inscrição em ambientes expositivos de museus e galerias.
Recentemente, em tempos de digitalidade, outras perspectivas se abrem para a literatura digital brasileira, uma vez que os ambientes das inúmeras plataformas, se por um lado oferecem possibilidades àqueles que, sendo a maioria dos autores brasileiros, não são programadores, por outro impõem limitações relacionadas à estandardização das interfaces e opacidade relativa ao funcionamento algorítmico, responsável pela propagabilidade da produção.
COMO CITAR ESTE VERBETE:
ROCHA, Rejane. Literatura digital brasileira. In: CATRÓPA, Andréa; PEREIRA, Vinícius Carvalho; ROCHA, Rejane (Org.). Glossário LITDIGBR – Literatura Digital Brasileira. 2025. Disponível em: https://glossariolitdigbr.com.br/04-literatura-digital-brasileira/. Acesso em: dia/mês/ano.