Glossário LITDIGBR

Ficção
Hipertextual

Marcelo Spalding

A ficção hipertextual, marco da literatura digital, permite leitura não linear e múltiplos caminhos, rompendo com conceitos narrativos tradicionais. Teóricos como Landow e Bolter destacam o hiperlink como seu traço distintivo, mas outras formas digitais, como narrativas locativas e poesia interativa, ampliam as possibilidades criativas e a participação do leitor.

A ficção hipertextual se confunde com o próprio conceito de literatura digital, assim como o conceito de hipertexto se confunde com a linguagem web. George Landow e Jay David Bolter, alguns dos primeiros teóricos do hipertexto, chegam a afirmar que o hiperlink é o traço distintivo da literatura eletrônica, “extrapolando a habilidade do leitor de escolher que link seguir, para fazer alegações extravagantes sobre hipertexto como um modo libertador que transformaria dramaticamente a leitura e a escrita” (apud Hayles, 2009, p. 43).

Apesar dessa consideração, hoje parece evidente que a ficção hipertextual, embora seja uma forma reconhecidamente digital de literatura pela sua própria natureza, não esgota as possibilidades da literatura digital em si. A própria Hayles, ao arriscar uma tipologia de formas literárias eletrônicas, inclui a ficção na rede interligada, a ficção interativa, as narrativas locativas, as instalações, a arte generativa e o poema em movimento ao lado da ficção em hipertexto.

Ana Cláudia Gruszynski e Sérgio Capparelli, autores de uma obra precursora da literatura digital, talvez a primeira publicada no Brasil (Ciberpoesia, de 2000, que não está mais disponível online em função do fim do Flash), afirmam que “as possibilidades do hipertexto na ciberpoesia vão muito além da convergência de diferentes linguagens, elas abrem também uma janela para a interatividade, isto é, a participação do navegador no poema” (2000, p. 80). Dessa forma, já percebemos que a ficção hipertextual é aquela que permite diferentes caminhos para o leitor, rejeitando a linearidade ou propondo caminhos alternativos a ela.

Capparelli vê a riqueza do hipertexto na possibilidade de ele quebrar o conceito tradicional de narrativa definido por Aristóteles como um “todo orgânico” e incluir a expansão dos seus limites: “em hipertexto, a narração poderá sofrer tantas alterações de suas partes quantas forem sugeridas pelo autor e discorridas pelo leitor em seu percurso de leitura, por meio de suas escolhas” (2010, p. 236).

Há traços do hipertexto em textos anteriores aos textos digitais. Pierre Lévy (1999) chega a afirmar que uma enciclopédia ou uma biblioteca são hipertextuais, já que o usuário caminha de forma original na soma das informações, usando dicionários, léxicos, sumários, índices remissivos, atlas, tabela de números, índice de tópicos etc., ainda que o suporte digital traga uma diferença considerável: a passagem de um nó a outro é feita com grande rapidez, da ordem de alguns segundos. Na ficção, temos romances clássicos não lineares, como O Jogo da Amarelinha, de Julio Cortázar, ou Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino, além dos livros-jogos, como O Feiticeiro da Montanha de Fogo, de 1982, em que o participante salta os capítulos de acordo com suas escolhas e sua pontuação, definida por dados.

Meu primeiro projeto de literatura digital ficcional também passou pela ideia de hipertexto, tanto que pretensamente criei um novo gênero, o Hiperconto. Um Estudo em Vermelho, publicado em 2009 em www.hiperconto.com.br, é uma narrativa que usa análise combinatória para permitir 8 finais distintos de acordo com as escolhas do leitor a cada fim de capítulo. Anos mais tarde, em 2015, levei o conceito para o livro impresso Vencer por Linhas Tortas, que também permite quatro finais possíveis de acordo com as escolhas do leitor.

COMO CITAR ESTE VERBETE:

SPALDING, Marcelo. Ficção Hipertextual. In: CATRÓPA, Andrea; PEREIRA, Vinícius Carvalho; ROCHA, Rejane (orgs.). Glossário – LITDIGBR – Literatura Digital Brasileira. 2025. Disponível em: https://glossariolitdigbr.com.br/ficcao-hipertextual/ Acesso em: dia/mês/ano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FUNDAMENTAIS

Livro organizado por Miguel Rettenmaier e Tania Rösing sobre literatura em meios digitais. Neste capítulo, o saudoso escritor Sérgio Capparelli, autor da pioneira obra Ciberpoesia, apresenta sua visão sobre a ficção em hipertexto.

Artigo em que os autores do projeto Ciberpoesia comentam sobre a produção desta obra precursora da literatura digital no Brasil.

Um dos primeiros livros sobre o tema no mundo, esta obra apresenta novos horizontes, a partir das inter-relações entre o homem e a máquina, as implicações entre as novas maneiras de criar (e ler) a literatura da tela e as de criar (e ler) a literatura de papel, dentro do universo das redes digitais.

Duas das mais importantes estudiosas de literatura do Brasil se reúnem para debater a leitura e seus discursos. O livro discute as relações entre oralidade e escrita, literatura e história, jornais e livros, e outras temáticas relacionadas à leitura.

Publicado em 1997, é um clássico para os estudos sobre cultura digital. Para o filósofo Pierre Lévy, a cibercultura é um conjunto de técnicas materiais e intelectuais, práticas, atitudes, modos de pensamento e valores que se desenvolvem com o crescimento do ciberespaço.

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