A literatura digital peruana combina tradições literárias com tecnologias digitais, explorando novas formas de criação artística. Pioneiros como Francesco Mariotti, José Aburto e Oswaldo Chanove incorporaram elementos digitais e interativos em suas obras, enquanto coletivos como Hyperpoesía e Lxs Demonixs del Ande promovem hoje uma literatura engajada e acessível.
A literatura digital peruana se insere em uma rica tradição literária que, historicamente, privilegiou o papel como suporte predominante. No entanto, nas últimas décadas, as tecnologias digitais abriram um espaço fértil para a experimentação artística e a valorização da cultura andina. Embora sua consolidação como campo ocorra na terceira década do século XXI, suas raízes conceituais podem ser rastreadas até as décadas de 1960 e 1970, quando figuras como Jorge Eduardo Eielson, Raquel Jodorowsky, César Toro Montalvo e Juan Ramírez Ruiz desafiaram os limites da linguagem poética ao incorporar elementos visuais, referências a circuitos eletrônicos, computadores e aspectos algorítmicos em suas obras.
A transição para o digital foi impulsionada por pioneiros como Francesco Mariotti. Em 1985, Mariotti apresentou seu projeto Chullachaqui, no qual introduziu o termo “computerpoesía”. Esta obra integrava síntese de voz e geração aleatória de texto, sendo programada em BASIC 2.0 em um Commodore C64, marcando uma das primeiras aproximações no Peru ao uso da inteligência artificial na criação literária (Mariotti, n.d.-a). Em seu trabalho, ele combinou tecnologia com poesia em instalações interativas, conectando tradições poéticas europeias com mitos locais da região amazônica por meio de colaborações com autores como César Calvo. Essas obras foram apresentadas em eventos como a exposição no Centro Cultural da Municipalidade de Miraflores, refletindo seu compromisso com a exploração de novas formas de expressão artística (Mariotti, n.d.-b).
Em 1999, José Aburto lançou Sospechas, um arquivo executável distribuído em disquetes que transformou a experiência de leitura ao introduzir a hipertextualidade e a navegação não linear na poesia. Este projeto pioneiro redefiniu a relação entre texto e leitor, mostrando como as tecnologias digitais podiam expandir as possibilidades da criação literária (Valdivia, 2022). Além de sua obra criativa, Aburto desempenhou um papel fundamental na preservação do patrimônio literário peruano ao desenvolver sites dedicados aos cadernos do poeta Luis Hernández e aos manuscritos do poeta Martín Adán. Em 2004, apresentou poemas interativos em Flash durante a Feira Internacional do Livro, desafiando a percepção tradicional da poesia em papel (Escandell-Montiel, 2023).
Por outro lado, Oswaldo Chanove, poeta arequipenho da geração dos anos 80, desenvolveu o projeto Valor Agregado no final da década de 1990. Embora Chanove já fosse um poeta consagrado, para criar essa obra ele precisou aprender a programar. Valor Agregado rompeu com as estruturas convencionais do texto ao integrar gifs, hiperlinks e diagramação digital, gerando uma experiência estética que combinava o visual com o interativo.
Em 2006, José Ignacio López criou Poemas Lanzados V2, uma obra interativa que utilizou Flash para combinar palavra e som, destacando o componente acústico na literatura digital. Mais tarde, López liderou projetos inovadores, como a obra narrativa Persona (2007), também desenvolvida em Flash, e MicroTrilce (2020), uma homenagem a César Vallejo que explorou a eletrofonia poética por meio do software Pure Data, uma linguagem de programação visual usada na produção de som. Essa abordagem interdisciplinar reafirmou a importância do som na poesia digital (Hurtado; Medina, 2021).
Enrique Beó demonstrou que não era necessário aprender a programar para criar literatura digital, utilizando softwares comerciais no desenvolvimento de obras como Poemas Binarios (2010), uma página web criada no Wix que empregava gifs e hiperlinks. Com Metaversos II (2021), ele introduziu a realidade aumentada (AR) na literatura digital por meio de ferramentas acessíveis, como o aplicativo de AR Metaverse, destacando seu compromisso com a acessibilidade tecnológica para novos autores.
O surgimento de laboratórios como o Masmédulab, fundado por Michael Hurtado e Pamela Medina, foi essencial para a preservação e difusão da literatura digital peruana. Projetos como a Genealogía de la Poesía Electrónica Peruana têm se concentrado na recuperação de obras literárias digitais em risco de obsolescência, como obras criadas em Flash (Hurtado; Medina, 2021). Em 2022, Pamela Medina publicou Estos Ensayos no tienen Principio ni Fin, uma obra multimodal que combina formatos tradicionais e digitais, incluindo códigos QR que levam a poemas e ensaios digitais que reinterpretam a obra de Jorge Eduardo Eielson. Este projeto recebeu menção honrosa no Prêmio Nacional de Literatura 2024 (Peru) na categoria de Ensaio.
A literatura digital peruana também se nutre de movimentos coletivos como Lxs Demonixs del Ande, que combinam quechua e espanhol em obras digitais que conectam tecnologias a discursos de gênero dissidente e à valorização cultural. Iniciativas como a rede de Hyperpoesía, liderada por Roberto Valdivia, promovem a criação literária por meio de memes, bots e formatos audiovisuais, enquanto a revista Hyperpoesía combina a experimentação digital com um enfoque político (Valdivia, 2022).
Por fim, a editora Lumpérica, fundada por Wendy Yashira, fortalece o ecossistema da literatura digital peruana ao apoiar projetos como os mencionados anteriormente, além de organizar workshops sobre livros digitais e publicar jovens autores. Wendy também é autora de um ensaio analógico-digital intitulado Gamebook: Sobre edición artesanal & electrónica.
Em conclusão, a literatura digital peruana não apenas adota e se apropria de tecnologias como ferramentas de criação literária, mas também se enraíza em uma tradição que repensa as formas de conceber, criar e compreender a literatura.
COMO CITAR ESTE VERBETE:
https://www.mariotti.ch/media/uploads/libros/Inteligencia_artificial__Chullachaqui_.pdf
e https://www.mariotti.ch/media/uploads/libros/PALABRA_HABLADA__.pdf
Estas referências documentam o trabalho pioneiro de Francesco Mariotti, que explorou as interseções entre arte, poesia e tecnologia em projetos como Chullachaqui e as Computerpoesías. Por meio de exposições e reflexões sobre inteligência artificial desde os anos 80, Mariotti deixou um marco na literatura digital.
Este artigo detalha o trabalho do Masmédulab na Genealogía de la Poesía Electrónica Peruana, enfatizando o resgate, a remediação e a análise de obras literárias digitais, destacando seu impacto no panorama cultural contemporâneo.
Disponível em: https://www.xn--maana-pta.pe/post/jose-aburto-y-los-primeros-dias.
Disponível em: https://www.academia.edu/104679518.
Estas referências exploram a contribuição de José Aburto à poesia eletrônica, desde seus primeiros experimentos com hipertextualidade até sua reflexão sobre as relações dinâmicas entre texto e leitor.
Se estiver interessado em mais informações sobre o Glossário LitDigBR, envie o seu contato.