Glossário LITDIGBR

Literatura digital uruguaia

Marcos Wasem

A literatura digital uruguaia evoluiu a partir dos anos 1980, destacando-se pela inovação em poesia visual, net.art e experiências interativas. Obras pioneiras como Árbol veloZ e o portal Ya te conté refletem a criatividade de autores locais, enquanto recursos como realidade aumentada e noise poético expandem as fronteiras do campo, impulsionado por apoio institucional crescente.

A adoção da computação no Uruguai foi bastante precoce; o Centro de Computação da Universidade de la República foi criado em 1967. Já então Eduardo Darino, cineasta experimental, realizou uma animação em ASCII com cartões perfurados da IBM e linguagem BASIC, Correcaminos. No entanto, a exploração artística das possibilidades dos meios digitais para a literatura foi bem mais tardia.

Após a ditadura militar (1973-1985), surgiram condições para o aparecimento de expressões artísticas digitais. No final dos anos oitenta, há um grupo de artistas que se autodenominam principalmente como poetas e que experimentam com meios digitais para sua própria criação. Um caso pioneiro é o de Jorge Echenique, que gerou poemas visuais sem texto a partir de código informático. Esses poemas apareceram na revista MC5 Espacio Marginal Alternativo, uma publicação underground que começou a ser lançada em 1989. Essa publicação refletia um grande interesse pela poesia visual, com representantes locais como Ernesto Cristiani, Clemente Padín, Ruben Tani e N.N. Argañaraz, entre outros. Este último publicou em 1986 Poesía visual uruguaya, livro no qual rastreia a tradição local da poesia visual uruguaia até o século XVIII. Por esses anos, Alcides Martínez Portillo (@MP) retornou para o Uruguai e começou a explorar a net.art. Ele se tornaria um agente importante na arte digital uruguaia, e sua influência possibilitou o desenvolvimento do net.art local. Sua prática foi fundamental para a incorporação e difusão de técnicas e novos meios. Atualmente, o artista Brian Mckern está compilando a obra que Portillo deixou dispersa entre seus amigos.

É entre os cultivadores locais do concretismo que, sob influência brasileira, começa a se manifestar um movimento mais sustentado de literatura digital local. A obra de maior envergadura, de 1998, é o trabalho de Luis Bravo e Silvina Rusinek, Árbol veloZ. A obra é um livro de poesia acompanhado por um CD-ROM que, ao ser inserido em um computador com sistema operacional Windows, abria uma animação interativa em Action Script, projetada como uma árvore em cujos ramos diversas portas levavam a diferentes videopoemas. Esse CD-ROM foi a primeira obra apresentada como literatura digital uruguaia propriamente dita, concebido como um livro-objeto multimídia. Em 2002, Clemente Padín publica outro CD-ROM, intitulado Spam/Trash. Exemplo de “spam de arte”, a obra parodia as mensagens de e-mails indesejados em uma série de entradas em HTML, com algumas animações em Flash. A navegação é simples, com hiperlinks internos que permitem saltar de um spam para outro. Desde receitas para acabar com o capitalismo, passando por oficinas de criação literária até métodos mágicos para aumentar o tamanho do pênis, a Padín Produções Inc. oferece serviços imaginários, aos quais todos os links de acesso estão quebrados. Em alguns casos, joga-se com o medo de ataques informáticos: a mensagem aberta anuncia a iminente instalação de um vírus anti-sistema.

Foi também importante a contribuição de Mario Levrero, que serviu como ponte entre as gerações anteriores ao surgimento da Internet e os primeiros “nativos digitais”. Em seus workshops, formou-se uma geração de jovens narradores (Fernanda Trías, Felipe Polleri, Inés Bortagaray, entre outros) que começariam a publicar no início do novo milênio. Embora Levrero não tenha deixado uma produção de literatura digital, ele tinha um grande interesse por tecnologia, era colecionador de videogames e incentivava a exploração das novas possibilidades tecnológicas entre os jovens escritores. Alguns de seus seguidores criaram o portal Ya te conté, desenvolvido na primeira década do século por um grupo de jovens que buscavam conciliar o novo panorama tecnológico com a cultura do livro. A preocupação dos idealizadores de Ya te conté era explorar novas formas de alcançar o público leitor, procurando entender as novas formas de leitura nos meios digitais.

Nesta última etapa, manifesta-se uma diversificação de técnicas: navegação interativa, como no caso dos relatos hipertextuais  de Lorena Pose Rivero ou da poesia de Andrea Estévan e Fernando Foglino em Madrelengua; exploração das possibilidades sonoras mediante o processamento de voz, como ocorre com José Luis Gadea (Hoski) e Magdalena Portillo, que se voltam para o noise poético. Destacam-se também as experiências de realidade aumentada de Leticia Almeida (especialista em efeitos especiais), que cria ficções a partir de interações com inteligência artificial, e o projeto Books on Walls, que realizou narrativas a partir da pintura de murais em diferentes pontos do Uruguai. Um fator importante tem sido o crescente apoio institucional, tanto público quanto privado, à arte digital, além de sua incorporação como questão teórica no nível universitário e como parte da formação pedagógica para os professores de literatura ao nível nacional.

COMO CITAR ESTE VERBETE:

WASEM, Marcos. Literatura Digital Uruguaia. In: CATRÓPA, Andrea; PEREIRA, Vinícius Carvalho; ROCHA, Rejane (orgs.). Glossário – LITDIGBR – Literatura Digital Brasileira. 2025. Disponível em: https://glossariolitdigbr.com.br/literatura-digital-uruguaia/ Acesso em: dia/mês/ano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FUNDAMENTAIS

Neste livro, Argañaraz traça uma história da poesia visual uruguaia, desde as manifestações iniciais no século XVIII até os dias atuais. Ele se interessa principalmente pela influência do concretismo no meio uruguaio.

Este livro estuda diferentes expressões da poesia contemporânea latino-americana, prestando atenção ao fenômeno da experimentação com novos meios. Dedica um capítulo à obra Árbol veloZ, de Luis Bravo.

O livro propõe o estudo daquelas formas políticas da literatura que não passam pelo panfleto, mas que aproveitam as possibilidades da experimentação para cumprir a missão de tornar evidentes os conflitos sociais. O uso de novos meios e o diálogo com a performance são interesses centrais da obra.

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